Por: Ieda Alkimim / ieda@betimcultural.com.br
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O literato é uma pessoa que consegue ser pensante e formador de opinião, mesmo em momentos de grandes transformações no cenário em que vivem, sejam elas políticas, econômicas e religiosas. É notório perceber como o escritor tem a capacidade de mudar a sociedade e principalmente a região em que vive. Para exemplificar, citamos o escritor espanhol Miguel de Cervantes: o seu célebre livro Dom Quixote transformou, anos depois, o cenário retratado durante o transcorrer da obra em local turístico, movimentando e dando lucro ao comércio da região. Dentre várias opções, o turista pode até mesmo ir à taberna e lá encontrar o taberneiro trajado com vestimentas da época e se tornar um Cavalheiro!
Outra característica do escritor é também levar o leitor à reflexão. Um desses textos bastante reflexivos para todos nós, principalmente no momento em que respiramos as eleições, está no livro A República de Platão, um dos maiores filósofos de todos os tempos. Considero-o particularmente muito revelador e também perturbador, pois exemplifica como podemos nos libertar da escuridão (no sentido mais amplo da palavra) imposta pelo “sistema dominador” ou permanecer nesse mundo sensível de opiniões.Em sua narrativa, Platão conta a história de prisioneiros acorrentados dentro de uma caverna, onde as correntes, que os aprisionam, impedem que eles vejam o que se passa fora da caverna, tendo apenas sombras que surgiam e desapareciam diante deles, expondo meros reflexos na parede, além de escutarem os ecos emitidos por onde vinham as tais sombras; por não terem visto outra coisa na vida, acreditavam que aquelas sombras e os ecos eram as únicas verdades que existiam.
Porém, um desses prisioneiros conseguiu escapar. No primeiro momento, seus olhos não conseguiram reter com nitidez o mundo por causa da luz ofuscante fora da caverna. Aos poucos, percebeu todo um mundo novo diante de si. Esse homem retornaria e contaria aos outros prisioneiros todas as descobertas e, não acreditando nele, o chamaram de louco e sua vida estaria em perigo. O que tudo isso pode significar?
No mito da caverna, Platão vê a infeliz condição da humanidade que vive num mundo de falsas verdades, o mundo de opiniões, cópia do real que ele chamou de sombras. A luz, que em princípio cegou o prisioneiro, é a nova descoberta, ou seja, novas verdades. Voltar e falar aos companheiros sobre estas novas verdade implica numa ação, seja ela por influência do novo ou por ideias plausíveis de transformar os homens e a sociedade a partir da reflexão.Sair da caverna significa se libertar dos grilhões da própria ignorância e da inércia, deixar de pensar por meio dos outros e pensar por nós mesmos. Fora da caverna existe o mundo das idéias, da reflexão e do conhecimento.
No entanto, é mais cômodo estar na caverna, ”tenho minha casa, meus amigos, meu futebol, meu salário, minha cerveja”... O fato é que todos vivem em constante ignorância e preferem discutir o capítulo da novela, o futebol ou sexo chulo etc. do que debater, por exemplo, “Não Verás País Nenhum” (livro que trata do aquecimento global) e muito menos descobrirem a história por trás do conhecido Bolero de Ravel ou simplesmente analisar nossos candidatos, quem são, donde vieram, o que pretendem... Ficam extasiados quando anunciam o vencedor do big brother (a letra minúscula foi proposital), embora não saibam que o título desse programa foi extraído do premiado livro do escritor inglês George Orwell, escrito em 1984, sendo mais tarde fonte de inspiração para o filme V de Vingança.
Portanto, a maioria alienada da sociedade se dá ao luxo de estar no comodismo e prefere que outros pensem por elas, prefere continuar com a mente fragmentada de opiniões do que buscar o conhecimento e a verdade que é o fruto da descoberta; essa maioria vive às sombras das opiniões e não se importa com isso, ou seja, está acorrentada em cavernas.
O verdadeiro ser é constituído pela realidade inteligente e inteligível que lhes é transcendental ( Platão 427 a.C347 a.C).