domingo, 25 de setembro de 2011

O que estavas a dizer … ???


É esquisito este negócio de tradução. 
A propósito, pergunto: alguém consegue entender os manuais de aparelhos eletrônicos ???
Houve épocas em que eu estava certo de que era proposital. Isto é, manuais eram escritos para, caso alguém arvorasse-se a lê-los, não os entendesse.
Hoje tenho certeza de que: ou são mal escritos, ou são mal traduzidos. Ou ambas as coisas. Fico com a última hipótese. 
Pois bem, faz mais de 10 anos que sou aposentado, ou, reformado, como se diz aqui em Portugal. Opa, já revelei onde moro e resido, mas isto não tem importância, pois ainda escrevo (literariamente falando) como aprendi há uns 20 anos, no Brasil. 
Hoje, longe da minha terra e da minha gente, cada vez mais me convenço que é rigorosamente impossível traduzir literatura. 
Ora vejam pois. Li recentemente  no Rascunho (jornal de literatura editado em Curityba) uma entrevista/conversa entre Rogério Pereira e João Ubaldo Ribeiro.
Pasmem … 
Sobre os professores de literatura, dizia João Ubaldo Ribeiro: “outro dia, deparei-me com uma prova de uma faculdade de letras, onde o professor de literatura brasileira, especialista e profundo estudioso da minha obra, colocava perguntas a seus alunos, que eu mesmo não saberia responder”.
E vejam, que se tratava de uma faculdade brasileira, onde o professor era brasileiro, bem como seus alunos (coitadinhos), eram também brasileiros.
Aí vem aquele chavão: ”mas o que era mesmo que o autor tal queria dizer, no parágrafo tal, da página tal, da edição tal, da obra tal, resenhada por fulano de tal, comentada no caderno tal de tal jornal, por cicrano de tal e criticada na tal revista de literatura por beltrano de tal ?”
Ora bolas !!! O autor quis dizer, aquilo que escreveu. Nada mais e nada menos daquilo que lá está escrito.
É claro que a questão não é bem assim. O que eu quis dizer, com isto que escrevi, foi que uma tal obra terá tantos significados e interpretações, quantos forem os seus críticos, resenhistas, leitores … e ... professores de literatura.
E agora José ???

Se estas coisas ocorrem com leitores brasileros, de obras brasileiras contemporâneas, lidas e escritas em língua portuguesa coloquial por autores brasileiros contemporâneos, o que se dirá do Rubaiyat de Omar Khayyan, ou do Antigo Testamento … 

Como visto, poderão existir tantos entendimentos, tantas histórias, tantas interpretações, quantos forem os critérios de análise, resenha, crítica e leitura, aos olhos de quem os puser sobre um texto literário de qualquer autor e em qualquer língua que seja.

Assim sendo, poderemos ter tantos Ulisses, quantos forem os tradutores. Por exemplo: temos o Ulisses de Antonio Houaiss; temos o Ulisses de Bernardina da Silva Pinheiro; e temos o mais recente Ulisses, o do jovem Curitybano Caetano Galindo. 

E um outro Ulisses de João Palma Ferreira, este em português de Portugal, o que já é outra língua.

Ah sim ... E temos também o Ulisses de James Joyce.

Por:
Osiris Duarte | duarte.14@ig.com.br


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