Por:Mario Jaymowich | bandazazu@yahoo.com.br
São Benedito sua casa cheira.
Cheira cravo de rosa, flor de laranjeira.
São Benedito minha casa cheira.
São Benedito minha casa cheira.
Cheira cravo de rosa, flor de laranjeira.
O Congado é uma manifestação cultural brasileira, de influência africana e católica, diferentes situações coloniais deram origem a esta manifestação popular que, ainda hoje, permanece como fator identitário da comunidade que a prática.
Essa festa é composta por uma série de ritos populares, preservando uma tradição, mas, ao mesmo tempo, se mostram dinâmicos, cheios de incorporações modernas, por esse motivo permanecem vivos ao longo do tempo, mostrando um espetáculo de cores, música, alegria e vitalidade cultural.
Entre a religiosidade e a profanação, o Congado se constitui numa festa, dentre as inúmeras da cultura brasileira, com encantos etino-musicais.
Seus tambores extrapolaram os limites geográficos e culturais de tal manifestação e, através da música de Milton Nascimento e seu disco "Tambores de Minas", ganharam o mundo.
A origem da tradição São João Del Rei, Milho Verde, Vila Rica e Sabará são cidades turísticas do interior de Minas que, além de representantes do período aurífero da história do Brasil – com sua arte barroca, a arquitetura e o urbanismo setecentista - preservam o Congado e seus tambores, como festas populares típicas do povo da região.
O Congado - uma festa de reis e escravos nas festas religiosas, o universo místico popular se exprime explicitamente por meio do catolicismo oficial.
A origem do Congado está na África, no Cortejo aos Reis Congos, o Cortejo ao Rei e à Rainha era uma expressão de confiança dos súditos em seus governantes, que lhes proporcionariam a prosperidade na paz e a fertilidade.
A homenagem aos Reis era feita ao som dos tambores e assim também começou a ocorrer no Brasil, pois a musica é uma das maiores expressões culturais africanas.
Quando, no século XVIII, o Império do Congo na África sofreu uma grande incursiva colonialista portuguesa foi vendido, entre os negros aprisionados para serem escravos, vários membros das famílias que disputam o trono do Congo.
No Brasil, esses membros da família real africana foram motivo aglutinador da comunidade negra, que uniu, através da cultura Bantu, as diferentes etnias africanas em novas relações sociais - formadas, em sua maioria, ao redor das irmandades católicas.
A Irmandade do Rosário dos Pretos constitui-se no principal espaço de negociação entre os negros e o governo da província, possibilitando novas situações sociais, como alforrias para essas pessoas.
Nesse aspecto, a irmandade do Rosário dos Pretos foi e é até hoje o meio político oficial de ação desse grupo na vida urbana e rural, com o intuito de louvar a N. S. do Rosário e S.Benedito e, assim preservar a identidade cultural.
Desde o século XV, em Portugal, se tem notícias que os negros já se reuniam em irmandades, que elegiam e festejavam reis.
Assim, aqui no Brasil, não demorou muito para a festa ser integrada aos dias santos do calendário da colônia. Apesar de no sudeste do Brasil, o Cortejo Real do Congo ser mais presente, essa manifestação é encontrada também no norte do país em Cametá/PA, no Esprírito Santo, Bahia, Rio Grande do Sul, Armação de Itapocoroy/SC, Catalão/GO, etc.
Foi, principalmente no sul de Minas e noroeste de São Paulo, que o povo Bantu constituiu novas relações de solidariedade e formas de extrapolar a rigidez da sociedade escravista, mantendo valores africanos nas novas terras.
Valores estes referidos em identidades diferentes que privilegiaram alguns traços para serem lembrados e outros para serem esquecidos, por meio das diferenças têm-se os ternos étnicos e das semelhanças tem-se o rito como um todo. O Congado compõem-se, então, de vários ternos que são os grupos, que se uniram através de uma cultura macro africana, “Bantu”, quando se estabeleceram no Brasil.
O Congado é mantido através da família e da tradição oral - a memória do povo africano não utiliza suportes escritos ou iconográficos, sua maior fonte de conhecimento são os velhos, as pessoas - memórias que ensinam para os filhos e netos aquela tradição.
Para essa cultura, vivenciar a situação é mais importante que registrar ou aprender com aulas, estar de corpo e alma é muito significativo para o registro dos fundamentos, que passará a estar marcado em sons, cores e formas do próprio corpo do praticante.
Para eles é necessário a prática, o entrecruzamento, a convivência nas tradições, entretanto, a tradição oral não se fecha de forma estática, parada no
Passado, é composta e assimila memórias dinâmicas, fiéis e móveis, repletas dos jogos e negociações existentes nas relações humanas, entre cada indivíduo e deles com o grupo.
A partir desses contatos, desponta uma hierarquia que coloca a festa em ordem e transformava a rotina na preparação da festa.
Assim, a principal base de transmissão dessa tradição oral é a família, núcleo primário, ou de origem, que se amplia formando uma outra noção de família.
Basicamente o pai ensina o filho, os sobrinhos, o avô auxilia o pai.
Entre sobrinhos e filhos juntam-se os agregados - que não são consangüíneos, mas vivenciam o hábito, e passam, então, a fazer parte desta família.
Diz-se que a pessoa que ensina o pai, torna se pai dos sobrinhos e também dos agregados. È uma noção de família que extrapola a noção tradicional de família cristã ocidental.
Baseia-se numa linhagem, que significa uma formação educacional de saber manter os laços sociais e as regras de convivência baseado numa matriz, que é muito mais antiga que o pai, ele é o último representante dessa linhagem, ou melhor, desse conhecimento transmitido oralmente.
Cada terno então é tem como núcleo, uma família consangüínea, que forma a grande família do terno, que poderá ter até 4 capitães, sendo que, o primeiro capitão representa o pai daquele grupo. (O filho de sangue que deve substituí-lo, quando morrer) Normalmente, a irmã, ou tia, ou mãe do capitão é a madrinha do terno que representa a grande mãe.
As figuras femininas têm muita força dentro do Congado: às mulheres é reservada a função de escolher a farda, a roupa, a comida, os bordados dos estandartes e a bandeira que vai ser usada nos dias da festa, que deve estar dentro dos fundamentos originais da manifestação.
São também portadoras da ligação com os rituais de Umbanda e Candomblé - onde se guardam os segredos místicos do rito - e que são centros formadores dos Congos, mas o que mantém o rito é a fé.
Fé sincrética, mista de batuque africano com tradição católica, é na fé dos santos católicos que é depositada a legitimação do rito para os próprios congadeiros.
E o batuque é a consagração do poder de transformação e aceitação da realidade que vivenciam, essa prática é, antes de tudo, uma prática sócio-cultural.
Para que a festa visível aos passantes ocorra são necessários, em média, três meses anteriores de preparação, a festa em si dura três dias, nos quais o visitante pode acompanhar de longe ou de perto, como quiser, ele deve também rezar, ver, ou ainda dançar no embalo quase carnavalesco que é formado durante estes 3 dias.
Cada terno tem suas cores específicas, se ornam com as fardas (roupas) coloridas e bordadas,dependendo do terno podem fazer uso de chapéus, coras, capas ou saias.
Diferenças que ao se juntarem, formam um cortejo de 1 km de diversas cores e tipos de enfeites e adereços sempre acompanhados do forte som das percussões que não cessam.
O visitante, estando na cidade durante os três meses anterior à festa, poderá ouvir todas as noites, após 20h, o batuque, cada terno saí, três vezes por semana em cortejo, com o oratório dos santos, indo de casa em casa, fazendo campanha para arrecadar fundos para a festa. Estando na cidade, peça licença para acompanhar o terno e vivencie um passeio que, além de agradável, poderá lhe proporcionar o acesso ao interior de um outro modo de vida e de relações sociais - por vezes completamente desconhecido nos ambientes urbanos cosmopolitas.
Inicialmente, o oratório de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito se encontram no quartel do terno, ou seja, na sede do grupo. Então, na primeira campanha, os soldados (assim são chamados os congadeiros) se encontram no quartel e pegam o oratório e vão cantando, dançando e tocando até a casa do primeiro companheiro que ajudará na festa.
Aquele que recebe os congadeiros prepara um leilão, feito durante aquela noite, os soldados ao chegar com o oratório na casa rezam cantando o terço, e depositam o oratório na sala da casa. Do lado de fora se realizam o leilão e o batuque, no outro dia, se encontram no quartel, recolhem o oratório na casa onde se encontrava na noite anterior e o levam para outra casa, nesse ritmo vão-se passando três meses.
Ao termino do período de preparação foram feitas várias novenas, rezados terços em várias casas, bem como na própria igreja do Rosário, com a presença do padre local, até que chegue o dia da festa propriamente - uma vez que toda a preparação já se constitui numa festa em si. No primeiro dia, os soldados dão os últimos retoques, ensaiando as últimas cantigas, ainda nos quartéis, é um dia restrito para os amigos e convidados.
No segundo dia, às 8h da manhã, um toque de ocupação começa a ser sentido pelas ruas da cidade. A festa vai começar: batuca de leve, batuca com força, toma o pão com café preto, toma o mel guardado especialmente para aquele dia. Bate mais, e bate mais, bate direito, capitães apostos, cajados nas mãos, lembram dos que já se foram, lembram dos que ficaram, lembram dos que aqui estão e dos que não puderam vir. Meninas com as fitas, estandarte em pé, baila no vento. Segura forte moça bonita, na cintura, esse estandarte se não ele "avoa" e você se machuca. Ta ta ta ta ta! Ta ta ta ta ta! Ta ta ta ta ta! Apiuta, apito soa, bandeira abençoa e a caminhada começa.
Os ternos dos diferentes bairros da cidade se encontram pouco antes da igreja do Rosário e formam o cordão colorido de vários ritmos. Um por um se apresentam na igreja, cantam - normalmente três cantigas. Alguns ternos têm funções diferenciadas, dois dos chamados Moçambiqueiros - que estão no alto da hierarquia entre eles - sobem, na frente da igreja, os mastros: um de Nossa
Senhora do Rosário e outro, de São Benedito.
O cordão é formado a partir da hierarquia entre os ternos, cada um tem um místico diferenciado, que é explicado através do mito de Nossa Senhora do Rosário. Dona Dolores de Uberlândia conta:
“A versão do meu avô, é que N. S. Do Rosário, ela apareceu, então, pediram pra ela pra, ela aparecia. Naquela época era escravo. Aquele sofrimento, pois cê sabe que pra nóis, era uma vida muito sofrida, ainda é até hoje, hoje não tão sofrida, hoje existe racismo, mas o sofrimento nóis não aceita mais, hoje existe o rascismo, eles fala que não, mas existe.
Então N. S. apareceu e eles levaram ela pra igreja e no outro dia ela tava na mata de novo, vieram pegaram ela levou pra igreja, e no outro dia ela tava na mata de novo. Ai então eles convidou.
Ai os negro moçambiqueiro pediu se eles podia cantar pra ela, tinha que pedi o senhor do engenho, que era escravo, então pediu se podia canta pra ela, e diz que quando os moçambiqueiro, porque o meu terno é marinheiro, não é mocambiqueiro, canto pra N. S. do Rosário, ela andou e foi pra igreja e não saiu mais, mas cada um conta uma versão. A verdade eu não sei.
Essa é a que meu avô contava pra nóis, aí ela ficou na igreja, porque ela não ficava na igreja, levava para igreja e ela ia pro mato.”
E Dona Iara de Patrocínio completa a seqüência do cordão:
“N. S. apareceu pra eles mesmo, o Senhor ia lá pegava ela para leva pra igreja, ela voltava pro tronco dela no mato, aí depois os preto catô e levou ela, mamãe do Rosário, pra igreja, né. "Aí, mamãe do Rosário,” chamou ela, foi subindo , aí acompanhou eles, aí fundou memo a religião do Congo, do Moçambiqueiro,
depois veio Catupé , depois veio Marujo, é tanto nome que tem.
Então, quando os praticantes se encontram para fazer o cortejo nos dias da festa eles se colocam: primeiro os Marujos ou Marinheiros; depois Congos, que são os guardiões, os protetores dos Moçambiques; depois os Catupés e, por último, junto com os Reis e Rainhas, vem o Moçambique”.
O Moçambique é a comitiva dos Reis e Rainhas, como também da Santa e Santo, os Catupés - admiti-se a influência de origem indígena no termo - são os Congos de Coroa, ou seja, aqueles que no caso do Moçambique não estar presente poderiam substituí-lo. Os Congos são as guardas do Reinado.
Os Marinheiros são formados pelos jovens, que são fortes e podem ajudar a proteger o Império do Congo, mas que ainda estão aprendendo.
Depois de todos os ternos passarem na igreja, voltam cantando, tocando e dançando para os quartéis, onde irão almoçar, e o visitante poderá acompanhá-los no ritmo e no almoço, que é sempre aberto a todos que chegam, a tarde, o cordão é formado na frente da casa do Rei e Rainha Congo daquele ano e o cortejo dura até fim da noite, pois as distancias a percorrer normalmente são grandes e todos devem novamente se apresentar na igreja, antes e depois da missa.
A missa, como não cabe todos dentro da igreja, é feita do lado de fora, é preciso silêncio, para que a voz ecoe e se possa ouvir o sermão, os bares ao redor ficam cheios de curiosos, de gente do Congo, de pesquisadores, de crianças, de crentes, todo mundo lá, tomando uma água, um refrigerante, uma cerveja ou uma pinguinha.
No outro dia, os ternos visitam todos os amigos que ajudaram na campanha, e no fim do dia se encontram na porta da igreja para fazer a última homenagem aos santos e ao Rei.